A noção de continuidade para funções de várias variáveis é similar ao caso unidimensional.
Seja $ f: \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R} $ uma função real e $ a=(a_1, \cdots, a_n) $ pertencente ao domínio. Então a continuidade da $ f $ no ponto $ a $ é definida como a seguir:
Dado uma tolerância de erro $ \epsilon > 0 $ existe um número $ \delta > 0 $ tal que se $ \|x-a\| \leq \delta $ então $ |f(x)-f(a)| \leq \epsilon. $ Observe que $ x, a \in \mathbb{R}^n $ e por isto usamos $ \| . \| $ para identificar a norma da diferença.
Isto quer dizer que “A computação no ponto $ a $ é estável!”
Existe uma forma ligeiramente diferente de falar sobre continuidade que é equivalente: Dado uma tolerância de erro $ \epsilon > 0 $ existem $ \delta_1, \delta_2 \cdots , \delta_n > 0$ tais que se $ |x_i-a_i| \leq \delta_i $ então $ |f(x)-f(a)| \leq \epsilon. $
(Dentro de um retângulo com centro $ a $ existe uma bola com mesmo centro e dentro de qualquer bola com centro $ a $ existe um retângulo com mesmo centro! )
Em breve quando definimos a noção de limite, como no cálculo de uma variável, acharemos uma definição equivalente para continuidade em termos de limite.
Exemplo1: Considere função afim $ f: \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}, f(x_1, \cdots, x_n) = c_0 + c_1 x_1 + \cdots + c_n x_n. $ Vamos mostrar que essa função é contínua em todo $ a \in \mathbb{R}^n. $
Vamos ver, quão próximo $ x_i $ e $ a_i $ devem estar para que $ f(x) $ e $ f(a) $ sejam $ \epsilon $ próximos.
$ |f(x) - f(a)| = |c_1(x_1-a_1) + \cdots + c_1 (x_n -a_n)| \leq |c_1(x_1-a_1)| + |c_1 (x_2-a_2)| + \cdots |c_n (x_n - a_n)| $
Observe que se $ |c_i (x_i - a_i)| \leq \frac{\epsilon}{n} $ então $ |f(x)-f(a)| \leq \epsilon. $ Portanto bastava que $ |c_i||x_i - a_i| \leq \frac{\epsilon}{n} $ ou seja bastaria que $ |x_i - a_i| \leq \frac{\epsilon}{|c_i| n}. $
Bem, se $ c_i=0 $ teríamos problema na escolha acima, porém este problema é de menos! bastaria então escolhermos $ |x_i - a_i| \leq \frac{\epsilon}{(|c_i|+1)n}. $
Um exemplo de funções afins é a função de projeção: $ \pi_k : \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}, \pi_k (x_1,\cdots, x_n)=x_k. $
Exemplo/Exercício: Função produto e quociente:
Seja $ f: \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R} $ e $ f(x, y)=xy. $ Mostre que $ f $ é contínua em todo $ \mathbb{R}^2. $
Seja $ g: \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R} $ e $ g(x, y)=\frac{x}{y}. $ Mostre que $ f $ é contínua em todo $ a=(a_1,a_2) \in \mathbb{R}^2 $ tal que $ a_2 \neq 0. $ Ou seja $ g$ é contínua (claro, no seu domínio.)
Observem que se $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}^m$ e $ a \in S $ então a continuidade de $ f $ em $ a $ será equivalente `a continuidade de $ f_1, f_2, \cdots, f_m $ em $ a $ onde $ f = (f_1, f_1, \cdots, f_m) $ e $ f_i : S \mathbb{R} $ são funções reais, componentes da $ f. $
Composição de funções:
Proposição: Sejam $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}^m, g : T \rightarrow \mathbb{R}^p.$ Se $ f $ é contínua no ponto $ a $ e $ g $ contínua no ponto $ f(a) $ então $ g\circ f $ é contínua no ponto $ g(f(a)). $
Com essa proposição podemos analisar continuidade de funções racionais.
Por exemplo considere polinômios simples como $ f(x_1, \cdots, x_n) = x_1^{k_1} x_2^{k_2} \cdots x_n^{k_n}. $ Então $ f $ é contínua em todo $ \mathbb{R}^n. $ Para ver como provamos tal continuidade vamos ver um exemplo mais simple: $ g: \mathbb{R}^3 \rightarrow \mathbb{R}, g(x,y,z)=xyz $ é contínua. Por efeito, considere
$ P : \mathbb{R}^3 \rightarrow \mathbb{R}^2, p(x,y,z)= (xy, z)$
e
$ Q : \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R}, p(x,y)= xy $
então $ f= Q \circ P.$
Já que a soma das funções contínuas, é contínua teremos que toda função polinomial é contínua.
Continuando este tipo de argumentos podemos concluir que toda função racional é contínua.
Limite e continuidade
Primeiramente definimos pontos limites de um subconjunto $ S \subset \mathbb{R}^n. $ Lembrem que uma bola aberta em torno de $ a $ e de raio $ r $ é $ \{ x \in \mathbb{R}^n: \|x-a\| < r\} $
Uma bola furada é $ \{ x \in \mathbb{R}^n: 0 < \|x-a\| < r\}$. Ela não contem o ponto $ a $ (centro da bola).
Definição: Dado um subconjunto $ S $ e $ a \in \mathbb{R}^n $, dizemos que $ a $ é um ponto limite, se para todo $ r > 0 $ existe um ponto do conjunto $ S $ dentro da bola furado de raio $ r $ em torno de $ a. $
Exemplo: Os pontos limite do anel $ \{ x \in \mathbb{R}^n, 1 < \|x-a\| < 2\} $ é o anel fechado $ \{ x \in \mathbb{R}^n, 1 \leq \|x-a\| \leq 2\}.$
Definição (Limite): Seja $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}^m$ e $ a $ um ponto limite de $ S. $ Então $ \lim_{x \rightarrow a} f(x)= b \in \mathbb{R}^m $ se para qualquer $ \epsilon > 0 $ existe $ \delta > 0 $ tal que para todo $ y \in S \cap B^{*}(a, r) $ temos
$ \|f(y) - b \| \leq \epsilon. $
onde $ B^{*}(a, r)$ é bola furado em torno de $ a $ e de raio $ \delta. $
A diferença entre limite e continuidade:
Na definição de limite o ponto $ a $ não precisa estar no domínio da função. Mesmo se $ a $ pertencer ao domínio da função, o limite pode não coincidir com $ f(a). $
Definição de continuidade:
Se $ a \in S $ (domínio da função $ f: S \rightarrow \mathbb{R}^m $) então $ f $ é contínua no ponto $ a $ se
$ \lim_{x \rightarrow a} f(x)= f(a). $
Exemplo:
Considere $ S = \mathbb{R}^2 \setminus \{(0, 0)\} $ e $ f: S \rightarrow \mathbb{R} $ definida como:
$ f(x, y)= \frac{xy}{x^2 + y^2} $. Calculamos $ \lim_{(x, y) \rightarrow (0, 0)} f(x, y). $ Vamos aproximar ao orígem $ (0,0) $ ao longo da reta $ y=kx $, ou seja considerem pontos $ (x, kx) $ e analisamos $ \lim_{(x, kx) \rightarrow (0, 0)} f(x, y) = \lim_{x \rightarrow 0} f(x, kx) = \frac{k}{1+k^2}$.
Concluímos que o limite depende do $ k. $ E assim não convergirá para um único valor fixo quando $ (x, y) \rightarrow (0, 0). $
Exercício:
Considere $ S = \mathbb{R}^2 \setminus \{(0, 0)\} $ e $ f: S \rightarrow \mathbb{R} $ definida como:
$ f(x, y)= \frac{x^m y^n}{x^2 + y^2} $ onde $ m, n \geq 0 $ inteiros. Calcule $ \lim_{(x, y) \rightarrow (0, 0)} f(x, y). $
Uma função com limite existente ao longo de todas as retas, porém sem limite!
Considere $ \lim_{(x, y)\rightarrow (0, 0)}\frac{x^2y}{x^4+y^2}.$ Se convergirmos ao longo da reta $ y=kx $ então o limite
$ \lim_{x \rightarrow 0} \frac{x^2 (kx)}{x^4+ k^2 x^2} = 0$, porém se convergirmos ao longo das parábolas $ y=kx^2 $ teremos
$ \lim_{x \rightarrow 0} \frac{x^2 (kx^2)}{x^4+ k^2 x^4} = \frac{k}{1+k^2}$ que depende de $ k$. Portanto o limite não existe.
Uso de coordenadas polares:
As vezes é conveniente usar coordenadas polares para calcular limites.
Utilizando coordenadas polares $ x=rcos(\theta), y=rsen(\theta).$ A convergência $ (x, y) \rightarrow (0, 0) $ é a mesma que $ r \rightarrow 0 $. Observe que $ \theta $ não precisa convergir a nenhum valor. Quando $ (x, y) $ pertencete a reta $ y=kx $ converge a $ (0, 0) $ então $ \theta = arctg(k) $ é fixo e $ r \rightarrow 0. $
Exemplo: Calcule $ \lim_{(x, y)\rightarrow (0, 0)} \frac{e^{-x^2 -y^2}-1}{x^2 + y^2}.$
Usando coordenadas polares, vamos calcular
$ \lim_{r \rightarrow 0} \frac{e^{-r^2} -1}{r^2}$ que tem determinação de tipo $ "\frac{0}{0}"$. Utilizando L'hopital o limite é $ -1.$