Agora vamos compreender a noção de derivada para funções de várias variáveis. Para começar considere o caso das funções (curvas) com domínio de dimensão um (em \mathbb{R}) e contra-domínio $ \mathbb{R}^n. $ Seja $ f : I \rightarrow \mathbb{R}^n, a \in I $, lembre que já discutimos a diferenciabilidade de $ f $ em $ a $. De fato se $ f= (f_1, \cdots, f_n) $ então $ f^{'}(a)= (f_1^{'}(a), \cdots , f^{'}_n(a)). $ Fisicamente, este “vetor” da derivada é o vetor da velocidade.
Agora considere uma função real $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R} $ e $ a \in \mathbb{R}^n \in S. $
Qual será a definição da diferenciabilidade no ponto $ a $ ?
Lembremos que a derivada era a taxa de variação da função com respeito a variação de sua variável. Agora a função tem variáveis com $ n $ coordenadas. Podemos pensar em variar cada coordenada e calcular a taxa de variação com respeito a cada coordenada. Fixamos $ 1 \leq i \leq n $ e definimos a derivada parcial com respeito a i-ésima coordenada de $ f $ no ponto $ a=(a_1, \cdots, a_n) $
$ \frac{\partial f}{\partial x_i} (a) := \lim_{h \rightarrow 0} \frac{f(a_1, a_2, \cdots, a_i+h, \cdots, a_n)}{h} $
quando o limite acima existir.
Exemplo: Considere a função $ f: \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R}, f(x, y) = |xy|$ então verifique a diferenciabilidade parcial com respeito das variáveis no ponto $ (0, 0). $
Vamos primeiramente verificar se $ \frac{\partial f}{ \partial x} (0, 0) $ existe.
$ \lim_{h \rightarrow 0 } \frac{f(0+h, 0)}{h} = \lim_{h \rightarrow 0 } \frac{|h \times 0|}{h} = 0 $
e de uma forma similar concluímos que $ \frac{\partial f}{ \partial y} (0, 0) = 0. $
Cuidado! Observe que função $ x \rightarrow |x|$ não é diferenciável no ponto $ x=0. $
Exemplo: Calcule $ \frac{\partial f}{\partial x} (0, 0) $ se $ f(x, y)= cos(xy) + e^y. $
Observe que para calcular a derivada parcial com respeito a variável $ x $ podemos considerar $ y $ como um número constante. Portanto
$ \frac{\partial f}{\partial x} (x, y) = -ysen(xy). $ Agora substituindo $ (x, y)= (0, 0) $ obtemos que $ \frac{\partial f}{\partial x} (0, 0)=0.$
E as aproximações lineares?
Lembremos que no curso de cálculo de uma variável, definimos derivada da função e relacionamos com aproximação linear: Seja $ f : I \subset \mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R} $ diferenciável num ponto $ a $ no interior de $ I $ com derivada $ f^{'}(a) $ então definimos $ L(x)= f^{'}(a)x $ e observem que $ L: \mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R} $ é uma transformação linear, representada de forma matricial simples $ [f^{'}(a)] $ (matriz $ 1\times1 $.) A definição da derivada é de tal forma que $ f(a+h)=f(a) + L(h) + E(h)$ onde $ E $ é função de erro de estimativa linear e
$ \lim_{h \rightarrow 0} \frac{E(h)}{h} =0. $
Outra forma de escrever é:
$ \lim_{x \rightarrow a} \frac{f(x)-f(a)- L(x-a)}{x-a} =0. $
ou geometricamente falando: A função $ f $ é uma função afim (é um pouco injusto (matematicamente) falar de aproximação linear, seria melhor falar aproximação afim) $ g$ tal que $ g(x)=f(a)+ L(x-a) $ são tangentes no ponto $ a. $
Este ponto de vista nos permite generalizar a definição de derivada e aproximações para dimensões mais altas.
Definição: Uma função $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R} $ é diferenciável em $ a $ no interior de $ S $ se existir uma função linear $ L: \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R} $ tal que
$ \lim_{x \rightarrow a} \frac{\|f(x)-f(a)- L(x-a)\|}{\|x-a\|} =0. $
Advinha quem será essa transformação linear quando a função é diferenciável (o limite acima é zero!)
“Claro”, quem poderia ser?! É a transformação linear $ T : \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}$ cuja representação matricial é $ [ \frac{\partial f}{\partial x_1}(a), \cdots, \frac{\partial f}{\partial x_n}(a) ]$.
Vamos explicar isto um pouco melhor…
Ou seja, não tem como escapar das derivadas do cálculo 1. Precisamos calcular n derivadas e listar numa linha e essa será a derivada da função $ f.$
Exemplo: Considere $ f: \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R}, f(x, y)= x^2 -y^2.$ Assumimos que $ f$ é diferenciável no ponto $ (2,1)$ e vamos achar a equação do plano tangente ao gráfico dessa função no ponto $ (2, 1, 3). $
Precisamos calcular a matriz derivada da função no ponto $ (2,1) $ que denotamos por $L $.
$ [L] = [\frac{\partial f}{\partial x}(2, 1), \frac{\partial f}{\partial y}(2, 1)] = [4, -2]. $
De fato $ \frac{\partial f}{\partial x} = 2x$ e $ \frac{\partial f}{\partial y}=-2y.$
Então a aproximação linear é dada por $ f(2, 1)+ L(x-2, y-1) = 3 + 4(x-2) -2(y-1)$ e a equação do plano tangente é dada por $ z= 3 + 4(x-2) -2(y-1). $
O exemplo abaixo mostra que apenas verificar a existência das derivadas parciais não é suficiente para provar a diferenciabilidade da função num ponto. Isto é de se esperar, pois temos infinitas direções pelas quais podemos aproximar um ponto e as derivadas parciais apenas consideram um número finito de direções ($n$ direções para calcular derivada de uma função de $\mathbb{R}^n$ em $\mathbb{R}$.)
Exemplo: Considere $ f: \mathbb{R}^2 \rightarrow \mathbb{R}, f(x, y)= \frac{x^2y}{x^2+y^2}, (x, y) \neq (0, 0) $ e definimos $ f(0, 0)=0. $ Então
$ \frac{\partial f}{\partial x} (0, 0) = \lim_{h \rightarrow 0} \frac{f(0+h, 0) - f(0, 0)}{h} = \lim_{h \rightarrow 0} \frac{0}{h}=0. $
De uma forma similar podemos ver que $ \frac{\partial f}{\partial x} (0, 0)=0.$ Portanto as derivadas parciais existem. Agora vamos verificar diferenciabilidade da $ f $ no ponto $ (0, 0). $
Observe que se $ f $ for diferenciável no ponto $(0, 0) $ então sua derivada deve ser a transformação linear nula $ L= [0, 0]. $ Porém,
$ \lim_{(x, y) \rightarrow (0, 0)} \frac{|f(x, y) - f(0, 0) - L(x, y)|}{\|(x, y)\|} = \lim_{(x, y) \rightarrow (0, 0)} \frac{x^2y}{(x^2+y^2) \sqrt{x^2+y^2}} $ não existe (considere direções diferentes para se aproximar da origem) . Se a função fosse diferenciável, este limite deveria ser zero.
Uma interpretação geométrica
Considere coordenadas polares $ (r, \theta) $ e a regra da função dada por $ f(r, \theta) = r cos^2 (\theta) sen(\theta). $ Observe que fixando $ \theta $ obteremos $ z=r cos^2(\theta) sen(\theta) $ que mostra que a semirreta está totalmente dentro do gráfico da função. Considerando $ \theta+ \pi $ obteremos a reta inteira no gráfico. Assim concluímos que a superfície gráfico da $ f $ é formada por retas. Entre essas retas temos dois eixos $ x, y. $ Bastaria colocar $ \theta=0, \frac{\pi}{2} $ e obtemos $ z=0. $ Portanto os dois eixos estão dentro do gráfico e se o plano tangente existir deve coincidir com plano $ xy. $ Porém para retas exceto eixos $ x, y $ temos $ cos^2(\theta) sen(\theta) \neq 0 $ e a reta $ z=rcos^2(\theta) sen(\theta) $ não é tangente a superfície.
A superfície do gráfico da função no ponto $ (0, 0, 0)$ não tem plano tangente. Quando a função é diferenciável, temos um plano tangente.
Ainda sobre derivadas:
Em geral se $ f: S \subset \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}^m$ e $ a \in S$ um ponto do interior então a derivada (se existir) é uma transformação linear $ Df(a): \mathbb{R}^n \rightarrow \mathbb{R}^m$ e pode ser representada por uma matriz $ m \times n.$
De fato $ f(x_1, \cdots, x_n) = (f_1(x_1, \cdots, x_n), \cdots, f_m(x_1, \cdots, x_n)).$
Assim a derivada
$ Df(a)= [L]_{ij}, \frac{\partial f_i}{\partial x_j} (a) = L_{ij}.$
Por exemplo, considere $ f(x, y)= (x^2+y^2, xy)$, então:
$ Df(a_1, a_2) = \begin{bmatrix} 2a_1 & 2a_2 \\ a_2& a_1 \end{bmatrix}$.


