User Tools

Site Tools


ebsd2021:potrie3

Folheações Tensas


Ao longo dessa sessão, salvo explicita menção ao contrário, $M$ é uma variedade fechada e conexa de dimensão $3$, e $\mathcal{F}$ é uma folheação bidimensional, orientada e transversalmente orientada (em particular, $M$ é também orientada), e de classe $C^{0,1+}$ em $M$ (isso significa que cada folha de $\mathcal{F}$ é uma variedade $C^1$ imersa em $M$, ao passo que a distribuição $\mathrm{T}\mathcal{F}$ tangente às folhas é apenas contínua).

Lembre-se que uma variedade $T$ imersa em uma variedade folheada $(M, \mathcal{F})$ é uma transversal da folheação $\mathcal{F}$ se para toda folha $L$ que intersecta $T$ e todo ponto $x \in T \cap L$ vale \[ \mathrm{T}_xM = \mathrm{T}_xT \oplus \mathrm{T}_x\mathcal{F}(x). \]

Definição 1: A folheação $\mathcal{F}$ é dita tensa (do inglês, taut) se toda folha encontra uma transversal fechada.

Exemplo: Seja $M = D^2 \times S^1$ o toro sólido, e $\mathcal{F}$ a folheação por discos que vem do produto. Qualquer curva do tipo $\{ponto\} \times S^1$ é uma transversal fechada intersectando todas as folhas, logo $\mathcal{F}$ é tensa.

Transversais fechadas são importantes em codimensão $1$ pois se relacionam com a existência de folhas compactas:

Lema 1: Seja $L$ uma folha de $\mathcal{F}$, e suponha que exista em $M$ uma curva $\gamma$, transversal à $\mathcal{F}$, cujos extremos estão contidos em $L$. Então existe uma transversal fechada $\sigma$ que intersecta exatamente as mesmas folhas que $\gamma$. Além disso, se $L$ é uma folha que não intersecta nenhuma transversal fechada, então $L$ é compacta.

Demonstração: O argumento é de fácil visualização. De maneira breve, se os pontos extremais $x_i := \gamma(i), i = 0,1$ pertencem à folha $L$, a ideia é considerar uma curva $\gamma_L$ contida na folha $L$ e unindo os pontos $x_0$ e $x_1$. Então $\gamma*\gamma_L^{-1}$ é uma curva fechada em $M$ transversa a folheação exceto na folha $L$. Basta então pertubar essa curva próximo a $L$ de maneira a obter uma transversal fechada $\sigma$:

Essa demonstração pode ser encontrada com todos os detalhes em [CC00], Proposição 3.3.7.

Quanto a segunda afirmação, basta notar que se $M$ é compacta e $L$ é uma folha não compacta. Então existe uma carta folheada de $M$ cuja intersecção com $L$ contém ao menos duas placas. Basta então tomar $\gamma$ como uma seção transversal de $\mathcal{F}$ unindo essas duas placas, e pela construção anterior segue $L$ intersecta uma transversal fechada. Q.E.D

Teorema (Goodman): Seja $L$ uma folha que não é intersectada por nenhuma transversal fechada. Então $L \approx \mathbb{T}^2$.

Corolário: Se $\mathcal{F}$ não possui folhas fechadas então $\mathcal{F}$ é tensa.

Proposição 1: Suponha que $\mathcal{F}$ é uma folheação tensa. Então existe uma única transversal fechada que intersecta todas as folhas.

Demonstração: Seja $\gamma$ uma transversal fechada. A saturação $\mathcal{F}(\gamma)$ é a união de todas as folhas intersectadas por $\gamma$, e portanto um aberto de $M$. Segue da compacidade que existe uma coleção finita $\gamma_1, \cdots, \gamma_n$ de transversais fechadas tais que toda folha de $\mathcal{F}$ pertence a pelo menos um dos $M_i := \mathcal{F}(\gamma_i)$, e portanto $M$ é uma união de abertos \[ M = \cup_i M_i. \] Suponha que a coleção $\gamma_1, \cdots, \gamma_n$ seja minimal. Então a união acima é disjunta. De fato, se $L$ é uma folha em $M_i \cap M_j$, então $L$ encontra $\gamma_i$ e $\gamma_j$, e portanto existe uma curva $\sigma: I \to L$ tal que \[ \gamma_i \ast \sigma \ast \gamma_j \ast \sigma^{-1} \] pode ser perturbada de modo a construir unica transversal intersectando as mesmas folhas que $\gamma_i$ e $\gamma_j$, contradizendo a minimalidade de $n$. Segue que $M$ é união disjunta dos abertos $M_1, \cdots, M_n$, e pela conexidade de $M$ tem-se $n=1$. Q.E.D

Definição 2: Um calabouço (também encontrado na literatura inglesa como dead end component) da folheação $\mathcal{F}$ é um aberto saturado $C \subset M$ tal que não existe nenhuma curva $\gamma: \mathbb{R} \to C$ simultaneamente transversal à $\mathcal{F}$ e propriamente mergulhada. Em outras palavras, um calabouço é uma união aberta de folhas tal que nenhuma curva transversal a folheação $\mathcal{F}\rvert_C$ pode “sair” de $C$.

Exemplo: Se $R$ é uma componente de Reeb da folheação $\mathcal{F}$, então $C = \mathrm{int} R$ é um calabouço. De fato, não é difícil ver, usando o teorema do valor intermediário, que qualquer curva em $R$ que atravesse transversalmente a fronteira $\partial R \approx \mathbb{T}^2$ deve ser tangente a uma das folhas em $C$.

Não é difícil se convencer que a existência de um calabouço $C$ impede a folheção $\mathcal{F}$ de ser tensa. De fato, como $C$ é um conjunto saturado, sua fronteira é uma união de folhas, e segue da definição de um calabouço que essas folhas não podem encontrar transversais fechadas. A ausência de calabouços é portanto uma condição necessária para que uma folheção em uma variedade compacta seja tensa. Os seguintes dois resultados aprofundam a relação entre calabouços e folheações tensas, afirmando que a ausência de calabouços é também uma condição suficiente afim de garantir a propriedade da tensão. Demonstrações podem ser encontradas em [CC00] (Lemma 6.3.2 e Corolário 6.3.4), e também em [Cal07] (Lema 4.28). .

Lema 2: Se $C$ é um calabouço, então $\partial C$ é uma união de folhas toroidais de $\mathcal{F}$.

Proposição 2: A folheação $\mathcal{F}$ é tensa se e somente se não possui calabouços.

Em particular, folheações tensas não possuem componentes de Reeb.

Dizemos que um fluxo em $M$ é transversal à $\mathcal{F}$ se cada uma das suas curvas integrais é transversal a $\mathcal{F}$. Como $\mathcal{F}$ tem codimensão $1$, orientabilidade transversal equivale a existência de um campo de vetores (a princípio apenas contínuo) transverso à $\mathcal{F}$ em todos os pontos. Consequentemente, as curvas integrais desse campo formam uma folheação $\mathcal{T}$ cujas folhas são transversais de $\mathcal{F}$. Para o caso de folheações tensas, é possível tomar uma folheação transversal com ainda mais propriedades:

Proposição 3: A folheação $\mathcal{F}$ é tensa se e somente se admite um fluxo transversal que preserva uma forma de volume.

Demonstração: Se $\mathcal{F}$ é tensa existe um mapa $f: S^1 \to M$ cuja imagem é uma transversal fechada. Tomando uma vinhança tubular dessa transversal é possível estender $f$ de modo a obter uma aplicação $$f: D^2 \times S^1 \to M$$ cujo domínio é o toro sólido. Dado um ponto qualquer $x \in M$ é possível, através de homotopias, “movimentar” o toro $f(D^2 \times S^1)$ de tal modo que ele contenha o ponto $x$. Em particular, se $\mathcal{F}$ é tensa então por todo ponto de $M$ passa uma transversal fechada que intersecta todas as folhas de $\mathcal{F}$. Se $f(x_0,t_0) = x$, então a menos de uma pertubação genérica do mapa $f_{x_0}(t) := f(x_0, t_0)$, a transversal $f_{x_0}(S^1)$ pode ser tomada como uma variedade mergulhada.

Dada a compacidade de $M$, podemos tomar uma quantidade finita de toros sólidos $T_i := f_i(D^2 \times S^1)$ cujos interiores cobrem $M$. Considere agora em $D^2$ uma $2$-forma fechada $\theta$ de classe $C^\infty$, e que seja positiva em $\mathrm{int}(D^2)$ e identicamente nula na fronteira $\partial D^2$. A $2$-forma

\[ \omega:= \sum_i f_i^\ast\theta \tag{1} \]

é uma forma de volume no fibrado $\mathrm{T}\mathcal{F}$, e de classe $C^\infty$. Note que a não-degenerescência de $\omega$ em $\mathrm{T}\mathcal{F}$ implica que existe um campo $R$ de classe $C^\infty$ e transverso a $\mathcal{F}$, tal que $\omega(R, \cdot) \equiv 0$, isto é, $R$ gera o núcleo de $\omega$. Considere a $1$-forma $\alpha$ definida em $M$ pelas condições \[ \begin{cases} \alpha(R) = 1; \\ \alpha\rvert_{\mathrm{T}\mathcal{F}} \equiv 0. \end{cases} \] A primeira condição implica que $\alpha$ é não-degenerada. Isto, junto ao fato de que $\omega$ é uma forma de volume em $\mathrm{T}\mathcal{F} = \ker \alpha$ implica que a $3$-forma $$\mu = \alpha \wedge \omega$$ é uma forma de volume em $M$. Finalmente, tem-se \[ \mathcal{L}_R\mu = d(\iota_R\mu)+\iota_Rd\mu = d\omega = 0, \] e portanto o fluxo de $R$ preserva o volume $\mu$, isto é, o fluxo do campo $R$ possui todas as propriedades do enunciado.

Para mais detalhes dessa construção, bem como para a prova da recíproca, veja capítulo 4 de [Cal07]. Q.E.D

A construção usada na demonstração acima, em especial a existência da forma $\omega$, tem consequências geométricas importantes para as folhas de $\mathcal{F}$. Por exemplo, suponha que $g$ é uma metrica riemanniana em $M$. A métrica $g$ induz uma norma no espaço das formas diferenciais de $M$. Em particular, considere a norma $\| \omega \|$ de uma $2$-forma $\omega$ como o supremo sobre $M$ das normas dos operadores $\omega_x: \mathrm{T}_xM \wedge\mathrm{T}_xM \to \mathbb{R}$, onde a norma de $\mathrm{T}_xM$ é dada por $g_x$.

Definição 3: Uma calibração para a folheação $\mathcal{F}$ é uma $2$-forma fechada $\omega$ que se restringe a uma forma de área em cada folha e satisfaz $\| \omega \| = 1$.

Note que, a menos de normalização, a $2$-forma $\omega$ definida por (1) é uma calibração da folheação tensa $\mathcal{F}.$ Aqui,

Lema 3: Se a folheação $\mathcal{F}$ admite uma calibração $\omega$ então $M$ admite uma métrica Riemanniana com respeito a qual cada folha $L$ é uma superfície minimal.

Demonstração: A imposição sobre a norma da forma $\omega$ implica que pontualmente $\omega$ é forma de area em $L$, e possui valor absoluto estritamente menor que a forma de area em qualquer outro plano tangente de qualquer outra superfície. Desse modo, dado um compacto $K$ contido em uma folha $L$, considere um segundo compacto $K'$, homologo à $K$, e tal que $\partial K = \partial K'$. Se $L'$ é a superfície obtida de $L$ ao se trocar $K$ por $K'$, então \[ \mathrm{area}(K) = \int_K\!\omega = \int_{K'}\!\omega \leq \mathrm{area}(K'), \] e portanto a $L$ é uma superficie minimal. Q.E.D

É possível demonstrar a recíproca desse resultado (cf. Capítulo 10 em [CC00], mais especificamente o Corolário 10.5.10). Como uma consequência direta, tem-se:

Proposição 4: A folheação $\mathcal{F}$ é tensa se e somente se $M$ admite uma métrica Riemanniana $g$ com respeito a qual as folhas de $\mathcal{F}$ são superfícies minimais.

Reunindo os resultados anteriores em um único enunciado, temos:

Definição (folheações tensas): A folheação $\mathcal{F}$ é tensa se satisfaz qualquer uma das seguintes propriedades:

  1. existe uma transversal fechada completa;
  2. toda folha de $\mathcal{F}$ encontra uma transversal fechada;
  3. por todo ponto de $M$ passa uma transversal fechada completa;
  4. $\mathcal{F}$ não possui calabouços;
  5. existe um fluxo transversal à $\mathcal{F}$ que preserva um volume em $M$:
  6. $M$ suporta uma métrica Riemanniana com respeito a qual todas as folhas de $M$ são variedades minimais.

Os teoremas de Novikov, Rosenberg e Palmeira

Relembramos dois resultados conhecidos do estudo de $3$-variedades: os teoremas de Novikov (cf. [Nov65], com demonstraçao disponível em [CC03]) e Rosenberg [Ros68].

Teorema de Novikov: Seja $M$ uma $3$-variedade compacta tal que $\pi_2(M) \neq \emptyset$. Suponha que $M$ suporta uma folheação bidimensional $\mathcal{F}$ orientável e transversalmente orientável. Então

  • ou $\mathcal{F}$ possui uma componente de Reeb;
  • ou $M \approx S^2 \times S$ e $\mathcal{F}$ é a folheação produto, onde $S$ é uma variedade unidimensional compacta (ou seja, $S \approx S^1$ ou $S\approx I$).

Addendum: Rousarie provou que se $M^3$ não é irredutível e $\mathcal{F}$ folheação codimensão um, então tem folha compacta.

Teorema de Rosenberg: Se $M$ é uma $3$-variedade sem fronteira admitindo uma folheação bidimensional por planos, então $M$ é irredutível.

Esses dois teoremas tem consequências importantes no caso em que $M$ é uma variedade compacta de dimensão $3$, não necessariamente sem bordo, e $\mathcal{F}$ é uma folheação tensa em $M$. Nesse caso, como $(M, \mathcal{F})$ não possui componentes de Reeb, um segundo resultado de Novikov ([CC03], Teorema 9.1.3) implica que todas as folhas de $\mathcal{F}$ são $\pi_1$-injetivas (isto é, os mapas de inclusão das folhas em $M$ induzem mapas injetivos entre grupos fundamentais, e portanto todo laço essencial em uma folha é também essencial em $M$). Em particular, em $M_0 := M\setminus\partial M$, a folheação $\mathcal{F}_0$ mantém essa mesma propriedade. Pelo teorema de Novikov, ou $\pi_2(M) = 0$ ou $M$ é homeomórfica ao produto de $S^2$ e uma variedade compacta. Caso $\pi_2(M) = 0$, então o fato de que $\mathcal{F}_0$ é $\pi_1$-injetiva implica que seu levantamento para o recobrimento universal de $M_0$ é uma folheação por planos (porquê) . Daí o teorema de Rosenberg implica que o recobrimento universal de $M_0$ é irredutível, o que implica que $M_0$, e consequentemente também $M$, são irredutíveis. Em suma:

Proposição 5: Se $M$ é uma variedade $3$-dimensional compacta equipada com uma folheação tensa, então ou $M$ é irredutível ou é homeomórfica ao produto de $S^2$ e uma variedade unidimensional compacta.

Outro teorema importante na teoria de folheações é o teorema de Palmeira [Pal78], que caracteriza folheações planares em variedades abertas.

Definição 4: Uma folheação $(M, \mathcal{F})$ de codimensão $1$ é dita planar se suas folhas são difeomórficas a um espaço Euclideano de dimensão apropriada.

0 espaço das folhas de uma variedade folheada $(M, \mathcal{F})$ é o conjunto \[ \mathcal{L}_{\mathcal{F}}:= ~^{\textstyle M}\!\big/_{\textstyle \mathcal{F}}, \] munido da topologia quociente. Em geral, esse espaço é bastante complexo e desprovido de estruturas, mas no caso de folheações planares é possível mostrar que esse espaço é sempre uma varieade unidimensional conexa, em geral não Hausdorff. Além disso, a projeção $p: M \to \mathcal{L}_{\mathcal{F}}$ é uma fibração e induz homemorfismos entre os grupos de homotopia de $M$ e $\mathcal{L}_{\mathcal{F}}$. Além disso, no caso em que $M$ é simplesmente conexa e $\mathcal{F}$ uma folheação planar, então $\mathcal{F}$ não admite curvas transversais que intersectem a mesma folha mais de uma vez. De fato, se isso ocorresse então a construção do Lema 1 implicaria na existência de uma transversal fechada, a qual seria homotopicamente nula já que $M$ é simplesmente conexa. Mas isso implica (veja [CC00], Proposição 7.3.2) na existência de uma folha com holonmia não trivial, um absurdo uma vez que todas as folhas de $\mathcal{F}$ são homotopicamente nulas.

Finalmente, o resultado de Palmeira [Pal78] pode ser descrito como

Teorema de Palmeira: Sejam $(M_i, \mathcal{F}_i), i = 1, 2$ folheações por planos em variedades abertas e simplesmente conexas de dimensão $n \geq 3$. Denote por $p_i: M_i \to \mathcal{L}_{\mathcal{F}_i}$ a projeção no espaço das folhas, munidos da topologia quociente. Se $h: \mathcal{L}_{\mathcal{F}_1} \to \mathcal{L}_{\mathcal{F}_2}$ é um homeomorfismo entre esses espaços, então existe um homeomorfismo $H: M_1 \to M_2$ tal que \[ h \circ p_1 = p_2 \circ H. \] Em particular, $\mathcal{F}_1$ e $\mathcal{F}_2$ são folheações conjugadas.

Esse mesmo teorema é frequentemente enunciado como um de seus corolários:

Corolário: Se $M$ é aberta e simplesmente conexa de dimensão $n \geq 3$, equipada com uma folheação por planos $\mathcal{F}$, então existe uma folheação $\mathcal{F}_0$ de $\mathbb{R}^2$ tal que $(M, \mathcal{F})$ e $(\mathbb{R}^n, \mathcal{F}_0\times\mathbb{R}^{n-2})$ são conjugados.

No caso em que $\mathcal{F}$ é uma folheação tensa de uma variedade tridimensional fechada $M$, a qual supomos não ser finitamente recoberta por $S^2 \times S^1$, então a Proposição 5 implica (porquê?) que o recobrimento universal $\tilde{M}$ é homoeomorfo ao $\mathbb{R}^3$, e $\tilde{\mathcal{F}}$, sendo uma folheação planar, é conjugada a uma folheação de produto $(\mathbb{R}^3, \mathcal{F}_0 \times \mathbb{R})$, onde $\mathcal{F}_0$ é uma folheação planar de $\mathbb{R}^2$. As folhas do levantamento de $\mathcal{F}$ separam $\mathbb{R}^3$ em dois semi-espaços. Em particular cada um destes semi-espaços contem bolas de raio arbitrariamente grande.

De fato Palmeira mostra também que se $M^{n}$ é uma variedade $n-$dimensional simplesmente conexa e $\mathcal{F}$ uma folheação co-dimensão um, então essa folheação é conjugada a $(\mathbb{R}^2, \mathcal{G} ) \times \mathbb{R}^{n-2}.$

Reparafraseando os resultados obtidos até então, obtemos o seguinte teorema, como enunciado no Apêndice B de Berthelmé et al.:

Teorema B.1.:

  • Em uma variedade tridimensional compacta $M$, uma folheação sem folhas compactas é tensa.
  • Se $(M, \mathcal{F})$ é uma variedade tridimensional fechada que não admite um recobrimento finito por $S^2\times S^1$, e $\mathcal{F}$ é tensa, então o seu recobrimento universal $\widetilde{M}$ é homeomorfo a $\mathbb{R}^3$. Além disso, cada folha de $\mathcal{F}$ levanta para um plano mergulhado em $\widetilde{M}$, que separa $\widetilde{M}$ em dois semi-espaços.
  • O espaço das folhas do levantamento $\widetilde{\mathcal{F}}$ é uma variedade não Hausdorff unidimensional, separável e simplesmente conexa. No mais, cada ponto nesse espaço das folhas está contido no interior de um intervalo. Em particular, qualquer curva transversal à $\widetilde{\mathcal{F}}$ intersecta cada folha de $\widetilde{\mathcal{F}}$ no máximo uma vez.

Uniformização de Folhas


Lembre-se que uma difeomorfismo entre variedades riemannianas $f: (M_1, g_1) \to (M_2,g_2)$ é dito conformal se existe uma aplicação positiva $\lambda: M_1 \to \mathbb{R}_{\geq 0}$ tal que $f^\ast g_2 = \lambda g_1$. Nesse caso, $M_1$ e $M_2$ são ditas conformalmente equivalentes. O famoso Teorema de Uniformização, ou Teorema de Koebe-Poincaré-Klein, afirma que qualquer superficíe de Riemann (isto é, variedade complexa de dimensão $1$) simplesmente conexa admite uma métrica conformalmente equivalente a uma das seguintes variedades

  • A linha complexa $\mathbb{C}$ (caso de curvatura zero);
  • A esfera de Riemann $S^2 = \mathrm{P}\mathbb{C}$ (caso de curvatura constante positiva);
  • O plano hiperbólico $\mathbb{H}$ (caso de curvatura constante negativa).

Com base no Teorema de Uniformização, é natural se perguntar se folheações de dimensão $2$ podem ser uniformizadas de maneira similar: isto é, se é possível equipar a variedade ambiente com alguma espécie de métrica tal que todas as folhas sejam conformalmente equivalentes a um mesmo modelo. É nesse contexto que se apresenta o trabalho de Candel em [Can93]: na busca de uma generalização do teorema de Uniformização para o caso de folheações bidimensionais.

Os argumentos de Candel são baseados em métricas riemannianas folheadas e na característica de Euler folheada.

Definição 5: Uma métrica riemannian folheada numa variedade $(M, \mathcal{F})$ é um 2-tensor $g: \mathrm{T}M \times \mathrm{T}M \to \mathbb{R}$ simétrico e positivo definido tal que, para quaisquer campos $X, Y$ tangentes à folheação $\mathcal{F}$, a função $g(X,Y): M \to \mathbb{R}$ é suave.

Observe que para campos de $M$ em geral, a função $g(X,Y)$ não precisa ser suave, logo $g$ não é, em geral, uma métrica riemanniana em $M$. Contudo, a restrição de $g$ a cada folha define naquela folha uma métrica riemanniana no sentido usual. De todo modo, o tensor $g$ define uma forma de conexão $\omega$ como no caso riemanniano usual, bem como uma $2$-forma de curvatura folheada $\Omega = d\omega + \omega\wedge\omega$, a qual carrega informação sobre a curvatura das folhas de $\mathcal{F}$.

No caso de varieades bidimensionais, o teorema de Gauss-Bonnet relaciona a curvatura com a característica de Euler. Com base nesse resultado, coloca-se para métricas riemannianas folheadas de $2$-folheações a seguinte definição:

Definição 6: Seja $\mathcal{F}$ uma folheação bidimensional da variedade compacta $M$. Se $\mu$ é uma medida invariante por holonomia de $(M, \mathcal{F})$, a característica de Euler folheada de $\mathcal{F}$ com respeito a $\mu$ é definida pela integral

\[ \chi_\mu(M, \mathcal{F}) := \int_M \!\Omega d\mu. \]

Pode se mostrar que a integral é bem definida, em virtude da invariância de $\mu$. De fato, a medida $\mu$ pode ser entendida como uma medida no espaço das folhas de $(M, \mathcal{F})$, ao passo que a integral de $\Omega$ sobre cada uma das folhas pode ser entendida como uma função do espaço das folhas $\mathcal{L}_{\mathcal{F}}$ em $\mathcal{R}$. De tal maneira, a característica de Euler é

\[ \chi_\mu(M, \mathcal{F}) := \int_M \!\Omega d\mu = \int_{\mathcal{L}_{\mathcal{F}}}\!\left(\int_L\!\Omega\right)d\mu(L). \]

É imediato da Definição 5 que se a curvatura é constante e negativa, então $\chi_\mu(M, \mathcal{F}) < 0$. O resultado de Candel é justamente a recíproca desse fato:

Teorema de Uniformização de Folheações Bidimensionais ([Can93]): Seja $\mathcal{F}$ uma folheação bidimensional orientável de uma variedade compacta $M$, equipada com uma métrica riemanniana folheada $g$. Então $g$ é conformalmente equivalente a uma métrica riemanniana folheada com respeito a qual todas as folhas de $\mathcal{F}$ tem curvatura constante igual a $-1$ se e somente se $\chi_\mu(M, \mathcal{F}) < 0$ para toda medida invariante por holonomia não trivial $\mu$.

Uma demonstração desse teorema pode ser encontrada também em [CC00, Teorema 12.6.3]. A argumento consiste basicamente em mostrar que a existência de uma folha que não seja conformalmente recoberta pelo plano hiperbólico permite a construção de uma medida invariante por holonomia $\mu$ tal que $\chi_\mu(M, \mathcal{F}) \geq 0$, o que é feito a partir de “sequências de médias”. Feito isso, o Teorema de Uniformização se aplica a cada uma das folhas de $\mathcal{F}$, garantindo a existência de funções de uniformização $\lambda_L: > 0$. É então suficiente mostrar que essas funções podem ser usadas de modo a construir uma única função suave $\lambda: M \to \mathbb{R}_{\geq 0}$ que extende simultaneamente todas as $\lambda_L$. Q.E.D

Claro, o teorema de Uniformização de Candel é automaticamente válido, por vacuidade, quando não existem medidas invariantes por holonomia não triviais. Esse corolário nos dá o Teorema C.1 do Apêndice C de Berthelmé et al.:

Teorema C.1: Seja $\mathcal{F}$ uma folheação tensa de uma $3$-variedade $M$. Se $(M, \mathcal{F})$ não admite medidas invariantes por holonomia não triviais, então existe uma métrica em $M$ que se restringe a uma métrica hiperbólica em cada uma das folhas de $\mathcal{F}$.

Referências

  • [Cal07] D. Calegari, Foliations and the geometry of 3-manifolds, Oxford Mathematical Monographs, Oxford University Press, Oxford, 2007.
  • [Can93] A. Candel, Uniformization of surface laminations, Ann. Sci. ´Ecole Norm. Sup. (4) 26 (1993), no. 4, 489–516.
  • [CC00] A. Candel and L. Conlon, Foliations. I, Graduate Studies in Mathematics, vol. 23, American Mathematical Society, Providence, RI, 2000. MR 1732868
  • [CC03] A. Candel and L. Conlon, Foliations. II, Graduate Studies in Mathematics, vol. 60, American Mathematical Society, Providence, RI, 2003. MR 1994394
  • [Nov65] S. P. Novikov, The topology of foliations, Trudy Moskov. Mat. Obˇsˇc. 14 (1965), 248–278. MR 0200938
  • [Pal78] C. F. B. Palmeira, Open manifolds foliated by planes, Ann. Math. (2) 107 (1978), no. 1, 109–131.
  • [Ros68] H. Rosenberg, Foliations by planes, Topology 7 (1968), 131–138. MR 0228011 (37#3595)

Discussion

Enter your comment. Wiki syntax is allowed:
 
ebsd2021/potrie3.txt · Last modified: 2021/07/20 16:06 by tahzibi