Vamos demonstrar uma versão um pouco mais geral do Teorema de Valor médio e usando essa versão provaremos um “sonho de consumo” de todos os alunos de cálculo, que é a regra de L'hopital para calcular limites.
Teorema Valor médio generalizado
Teorema: Sejam f,g:(a,b)→R diferenciáveis e contínua no intervalo [a,b]. Se g′(x)≠0 para x∈(a,b), então existe um ponto c∈(a,b) tal que
f′(c)g′(c)=f(b)−f(a)g(b)−g(a).
Uma demonstração “fake”: (apenas para saber como não fazer as coisas!)
Pela teorema de valor intermediário existe c tal que f′(c)=f(b)−f(a)b−a. Vamos aplicar novamente o teorema de valor médio, agora para funçao g e portanto g′(c)=g(b)−g(a)b−a
Agora dividimos duas relações obtidas e temos
f′(c)g′(c)=f(b)−f(a)g(b)−g(a).
Ok, sem perder paciência escreva onde está o erro grotesco.
Demonstração (de verdade!): Definimos uma nova função
H(x)=f(x)(g(b)−g(a))−g(x)(f(b)−f(a)).
Observe que a função H é diferenciável no intervalo aberto (a,b) e contínua no intervalo fechado [a,b] pois as funções f,g tinham essas propriedades.
Apenas substituindo valores, concluímos que H(a)=H(b)=f(a)g(b)−f(b)g(a) e portanto pelo Teorema do valor médio temos que existe c∈(a,b) tal que H′(c)=0.
É fácil ver (usando propriedade básica de derivada) que
H′(x)=f′(x)(g(b)−g(a))−g′(x)(f(b)−f(a)).
Portanto H′(c)=f′(c)(g(b)−g(a))−g′(c)(f(b)−f(a))=0 e rearranjando os termos desta equação obteremos que:
f′(c)g′(c)=f(b)−f(a)g(b)−g(a).
Regra de L'Hopital
(link Wikepedia) Atualmente sabe-se que a regra não se deve ao Guillaume François Antoine , Marquês de l'Hôpital, mas sim a Johann Bernoulli, um dos membros da célebre Família Bernoulli. A regra integrou a obra do marquês, sendo também atribuída ao mesmo, mediante um acordo entre ele e Bernoulli. Posteriormente descobriu-se tal fato.
Bom, vamos ao que nós interessa mais!
Teorema (caso 00): Suponhamos que limx→af(x)=0,limx→ag(x)=0 e que limx→af′(x)g′(x)=L, onde L∈R∪{±∞}, então:
limx→af(x)g(x)=limx→af′(x)g′(x)=L
Observação: Neste teorema estamos assumindo a∈R. Porém o limite L pode ser infinito também. A demonstração aqui é para L∈R e o caso infinito realmente é um pequeno exercício.
Outro exercício: O Teorema é válido com as mesmas hipóteses quando a=∞ também e para demonstrar basta fazer uma mudança de variável e definir novas funções F(x)=f(1x),G(x)=g(1x).
Demonstração:
Já que limx→af′(x)g′(x) existe, concluímos que num intervalo (talvez furado no centro) em torno de a as derivadas existem e g′(x)≠0. Vamos denotar por I este intervalo. Definimos duas novas funções (muito parecidas com f,g): Sejam F,G tais que F(a)=G(a)=0 e f(x)=F(x),g(x)=G(x) para todos os outros pontos do domínio das funções f,g.
Dado qualquer x∈I podemos aplicar o teorema do valor médio generalizado para F,G no intervalos com pontos extremos a,x. e portanto
F′(c)G′(c)=F(x)−F(a)G(x)−G(a)=f(x)g(x).
Mas pela definição das funções F′(c)=f′(c),G′(c)=g′(c)
e portanto
f′(c)g′(c)=f(x)g(x). (*)
Observe que c na equação acima depende do ponto x, porém quando x tende ao ponto a, então os pontos c correspondentes também convergem ao ponto a por estarem entre a,x.
Já que limx→af′(x)g′(x)=L então a medida que c aproximar ao ponto a o valor de f′(c)g′(c) aproxima a L (no caso limite infinito, aproximar tem que ser compreendido de forma correta!). Portanto pela equação (*) e observação logo depois desta equação temos
limx→f(x)g(x)=L.
*
Teorema (Caso ∞∞)
Sejam f,g diferenciável numa vizinhança furada N de a e suponhamos que: limx→ag(x)=∞,limx→af(x)=∞, para todo x∈N,g′(x)≠0 e limx→af′(x)g′(x)=L onde L∈R∪{±∞}. Então: limx→af(x)g(x)=L.
Observação: Como no caso do teorema anterior o teorema é válido mesmo quando o limite L é infinito e/ou a=∞.
Demonstração (vamos fazer já que existe muitos demonstrações erradas na internet):
Sejam p,q tais que p<L<q e escolha L<r<q. Já que limx→af′(x)g′(x)=L então para existe uma vizinhança furada de a tal que nesta vizinhança f′(c)g′(c)<r. Agora para quaisquer dois números x,y nessa vizinhança (considere ambos x,y ou maior do que a ou menor) pelo Teorema do Valor médio generalizado temos
f(x)−f(y)g(x)−g(y)=f′(c)g′(c)<r (1)
Pela hipotese sabemos que limx→ag(x)=∞ (considere o caso em que +∞). Fixamos a partir de agora o ponto y e portanto para x muito próximo de a temos pelo menos g(x)>g(y) e consequentemente g(x)−g(y)>0.
Então podemos multiplicar ambos os lados da desigualdade (1) no fator g(x)−g(y) e dividimos por g(x) obteremos
f(x)g(x)<r−rg(y)g(x)+f(y)g(x).
Bem, a desigualdade acima tem uma mensagem muito positiva! Novamente, a medida que x→a as frações g(y)g(x),f(y)g(x) tendem ao zero (observe que não estamos mexendo com y) e portanto para TODOS os x muito próximo ao ponto a temos
f(x)g(x)<q. (lembram do número q? ele é maior do que número r.)
De uma forma similar podemos escolher uma vizinhança muito pequena de a tal que pontos x nesta vizinhança satisfazem f(x)g(x)>p.
Já que p,q eram escolhidos inicialmente arbitrários limitando número L então pela definição de limite:
limx→af(x)g(x)=L.
Exemplos Alegres e Exemplo para Alertar
:
Exemplo1. Calcule limx→0x−sen(x)x3.
A determinação é do tipo 00 e vamos calcular as derivadas.
f′g′=1−cos(x)3x2 e observe que a indeterminação permanece. Vamos insistir e derivar novamente: f″(x)g″(x)=sen(x)6x e ainda permaneceu! Derivamos de novo e o limite existe e é igual a 16. Legal né?
Exemplo 2. Calcule limx→0+xln(x)
Observe que podemos escrever xln(x)=ln(x)1x e lidamos com indeterminação do tipo ∞∞ e observem que as hipótese do teorema neste caso é satisfeita. Portanto
limx→0+ln(x)1x=limx→0+1x−1x2=0.
(lembrem de nosso mote que logaritmo é mais fraco que polinomial que por sua vez é mais fraco que exponencial!)
Exemplo 3. Calcule limx→∞ex−e−xex+e−x
Observe que a indeterminação deste limite é do tipo ∞∞.
f′g′=ex+e−xex−e−x
e assim a indeterminação permanece. O problema é que se derivarmos mais vezes nunca a indeterminação vai sumir!
Mas que tal massagear a função um pouco antes de calcular o limite!
ex−e−xex+e−x=e2x−1e2x+1
e agora podemos até aplicar uma vez L'hopital e o limite é igual a 1.
Exemplo 4. Calcule limx→∞x+cos(x)x
Observe que a indeterminação é do tipo ∞∞. Se utilizarmos o L'hopital sem cuidado escreveremos f′g′=1−sen(x)1 que não tem limite quando x→∞. Essa última função oscila e não tem limite.
Porém limx→∞x+cos(x)x=limx→∞1+cos(x)x=0.
Aha, a regra L'hopital aqui não funcionou, pois o limite da proporção das derivadas Não EXISTE! Ou seja a recíproca do enunciado do L'hopital não vale.