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Teoria local: dinâmica perto de pontos periódicos
Terminologia e algumas noções
Vamos começar com algumas notações clássicas:
Seja f:U⊆¯C→U um mapa holomorfo. Um ponto periódico é um ponto z∈C tal que existe um k>0 para o qual vale que fk(z)=z. O menor k tal que vale essa propriedade é chamado de período de z. O ciclo de z é o conjunto {z0,...,zk−1}, onde zi:=fi(z) e o multiplicador desse ciclo é o número ρ=(fk)′(z)=∏f′(zi). Ainda, um ponto z é dito pré-periódico se existe um inteiro l tal que fl(z) é periódico.
Seja U⊂C uma vizinhança de um ponto z0 fixo para um mapa analítico f:U→U. Então, se |z−z0| for suficientemente pequeno, f(z−z0) é aproximadamente f′(z0)(z−z0), de modo que se |f′(z0)|<1, então |f(z−z0)|<|z−z0|; caso tenhamos |f′(z0)|>1, então vale |f(z−z0)|>|z−z0|, de modo que podemos fazer a seguinte definição:
Um ciclo é dito atrator (resp. repulsor, indiferente) se |ρ|<1 (resp. |ρ|>1, |ρ|=1). Um ponto periódico é dito super-atrator se ρ=0, ou seja, existe um ponto crítico no ciclo.
Veremos agora que o multiplicador de um ciclo periódico é o fator mais importante para determinar o comportamento local da dinâmica.
Pontos fixos atratores e repulsores
Se z é um ponto periódico de período k, definimos a bacia de atração de z como sendo o conjunto dos pontos w tais que fnk(w)→z, quando n→∞. Chamamos de bacia imediata de atração a componente conexa da bacia de atração que contém o ponto periódico.
No que se segue vamos, sem perda, supor que o ponto fixo é sempre a origem.
Teorema (Koenigs, 1888): Seja U uma vizinhança de 0 e seja f:U→C um mapa holomorfo tal que f(0)=0 e que 0<|f′(0)|<1. Então, existe uma vizinhança V⊂U de 0 com f(V)⊂V e um biholomorfismo φ:V→φ(V) com φ′(0)=1 tal que φ(f(z))=ρφ(z), onde ρ=f′(0), para z∈V. Além disso, o germe de φ em 0 é único.
Demonstração: Ponha g(z):=f(z)−λz e observe que existem r1>0, um disco Dr1(0)⊂U e uma constante C1>0 tais que |g(z)|≤C1|z|2, sempre que |z|≤r1. De fato, escrevendo a série de Taylor de f ao redor da origem, temos que f(z)=λz+O(z2) de modo que g(z)=O(z2). Escolhendo agora uma constante C2 tal que C22<|λ|<C2<1 e pondo r:=min{1,r1,C2−|λ|C1}, teremos que para todo |z|<r, vale |f(z)|≤|λz|+C1|z|2≤(|λ|+C1r)|z|≤C2|z|. Ao iterarmos, obtemos que |fn(z)|≤Cn2. Ponha agora V:={z∈C;|z|<r} e considere a sequência de mapas analíticos φn:V→C dados por φn(z)=fn(z)/λn. Afirmamos que tal sequência converge uniformemente em V. Com efeito, |φn+1−φn|=|fn+1(z)λn+1−fn(z)λn|=1|λ|n|f(fn(z))λ−fn(z)|=1|λ|n|f(fn(z))−λfn(z)λ|=1|λ|n+1|g(fn(z))|≤C1|fn(z)||λ|n+1≤C1|λ|(C22|z||λ|)n Uma vez que temos C22|z||λ|<r<1, isto nos mostra que a sequencia de mapas acima é uniformemente de Cauchy, e portanto converge uniformemente em V. Defina agora φ(z):=limn→∞φn(z). Observe que φ′(0)=1, uma vez que φ(z)=z+O(z). Assim, o mapa φ resolve a nossa equação funcional do enunciado, pois φ(f(z))=limn→∞φn(f(z))=limn→∞fn(f(z))λn=λlimn→∞fn+1(z)λn+1=λφ(z) Ou seja, φ(f(z))=λφ(z), como queríamos. Resta mostrarmos a unicidade do mapa φ. Com efeito, seja ψ:W→ψ(W) um mapa biholomorfo que conjuga a nossa aplicação f. Se denotarmos por Mλ a multiplicação por λ, tem-se então que Mλ∘ψ∘φ−1(z)=ψ∘f∘φ−1(z)=ψ∘φ−1∘Mλ(z) Como estamos trabalhando com germes analíticos, as funções envolvidas possuem inversas funcionais; isto implica que a composição ψ∘φ−1 comuta com a multiplicação por λ, impondo que ψ′(0)=1. Segue que φ=ψ.
Obs: O caso repulsor segue imediatamente aplicando o mesmo argumento ao mapa f−1, o qual esta bem definido em uma vizinhança da origem, cujo multiplicador satisfaz 0<|ρ−1|<1.
Dado o teorema acima, podemos (e queremos) determinar os domínios para o mapa φ acima, isto é, podemos obter o maior aberto conexo em que haja a conjugação.
Teorema: Seja z0 um ponto fixo atrator para um polinômio f:C→C e seja U a sua bacia de atração. Então, a sequencia {φn}n∈N dada por φn(z):=fn(z)−z0f′(z0)n converge uniformemente em compactos de U e o seu limite é um mapa φ:U→C que satisfaz φ(f(z))=f′(z0)φ(z).
Demonstração: Já sabemos que a sequencia {φn}n∈N é uma sequencia que converge uniformemente em uma vizinhança V de z0, uma vez que a sequencia é a mesma da prova anterior, trocando apenas o ponto fixo. Seja K⊂U um subconjunto compacto. Então existe um inteiro m tal que fm(K)⊂V, e portanto para todo z∈K tem-se que limn→∞fn(z)−z0f′(z0)n=limn→∞fn(fm(z))−z0f′(z0)n+m=1f′(z0)mlimn→∞fn(fm(z))−z0f′(z0)n=1f′(z0)mφ(fm(z)) Logo, a convergencia é uniforme em compactos. A equação funcional segue trivialmente.
Assim, provamos que a conjugação no caso atrator se estende a toda bácia de atração. No caso repulsor, o teorema de linearização global é um pouco diferente, tendo em vista que não existe um conceito como “bacia repulsora”.
Uma filosofia que se observa desde o inicio da teoria, nos trabalhos de Fatou por exemplo, é que os pontos críticos determinam de maneira importante o comportamento dinâmico dos polinômios. O próximo resultado também nos mostra como críticos se comportam perto de pontos atratores.
Proposição:(Fatou-Julia) A bacia imediata de qualquer ciclo atrator contém pelo menos um ponto crítico.
A ideia é que, se não tivéssemos ponto crítico na bacia imediata de atração, poderíamos estender a inversa do mapa φ do teorema anterior a todo o plano, o que culminaria em uma conjugção entre um mapa de grau d e um mapa de grau 1, concluindo um absurdo.
Pontos fixos super-atratores
Nesta seção, iremos observar que a dinâmica de um polinômio em torno de um ponto super-atrator é, embora mais complicada que no caso atrator, ainda razoavelmente simples.
Teorema (Böttcher, 1904): Seja f(z)=zk(1+g(z)) um mapa analítico definido em uma vizinhança U⊂C da origem, com k≥2 e g(z)=O(z). Então, existe uma vizinhança V⊂U da origem e um mapa analítico φ:V→C tal que (φ(z))k=φ(f(z)).
O mapa φ acima é chamado de mapa de Böttcher (ou Coordenada de Böttcher). Uma observação é que o mapa de Böttcher é único a menos de multiplicação por uma raíz (k−1)-ésima da unidade.
Demonstração: A filosofia novamente é construir uma sequencia de mapas que satisfazem a equação funcional de conjugação acima. Neste caso, somos tentados a definir a sequência φn(z):=(fn(z))1/kn para tomar seu limite. Porém, neste caso, não temos somente um problema de convergencia, mas também um problema de especificação da raíz k−ésima que estamos utilizando. Observe que podemos tornar a sequencia em um produto telescópico (fn(z))1/kn=zf(z)1/kzf2(z)1/k2f(z)1/k....fn(z)1/knfn−1(z)1/kn−1 de modo que o termo geral do produto é da forma fn(z)1/knfn−1(z)1/kn−1=((fn−1(z)k)(1+g(fn−1(z)))1/knfn−1(z)1/kn−1=(1+g(fn−1(z)))1/kn Deste modo, se conseguirmos provar que existe um ρ>0 tal que quando |z|≤ρ obtemos |g(fn−1(z))|<1, podemos utilizar o ramo analítico principal da raiz em todos os termos do produto φn(z)=∏ni=1(1+g(fi−1(z))1/ki. Com efeito, escolha primeiro ρ1>0 e uma constante C tal que |g(z)|<C|z|, para todo z∈Dρ1(0). Seja agora ρ2 a raíz positiva da equação xk−1(1+Cx)=1, e ponha ρ:=min{ρ1,ρ2,1/2C} de modo que se |z|<ρ, temos que |f(z)|=|z|k|1+g(z)|≤|z|k(1+|g(z)|)≤|z||z|k−1(1+Cρ)≤|z| Assim, temos que para todo n, |fn(z)|≤ρ e portanto |g(fn−1(z))|≤C|fn−1(z)|≤Cρ≤1/2. Logo, para todo z∈Dρ(0) o ramo principal analítico de 1+g(fn−1(z))1/kn está bem definido para todos os valores de n. Observe que como o valor máximo de |log(1+w)| sempre que |w|≤1/2 é log2, então vale que |log|1+g(fn−1(z))|1/kn|=1kn|log|1+g(fn−1(z))||≤log2kn e portanto o produtório φ(z):=∏n≥1(1+g(fn−1(z)))1/kn converge e é o limite da sequencia φn, como queríamos.
Vamos agora tentar entender o domínio total do mapa de Böttcher para uma bacia super-atratora. Diferente do caso linearizável, o mapa de Böttcher não se estende a toda bacia de atração de um ponto fixo super-atrator, mas seu potencial associado, a chamada função de Green, sim.
Teorema(Funções de Green dinâmicamente definida): Seja f:C→C um polinômio e suponha que f(0)=0 e f(z)=zk(1+g(z)), onde k≥2 e g=O(z) perto da origem. Seja W a bacia de atração de 0. Então a função G(z):=log|φ(z)|, definida em vizinhança de 0, se estende à toda bacia W, com pólos logarítmicos no subconjunto Z⊂W de pontos z tais que fn(z)=0, para algum n. Mais ainda, G satisfaz à equação funcional G(f(z))=kG(z).
Demonstração: Note que G está definida em uma vizinhança V de 0 e que, dado z∈V, vale G(f(z))=log|φ(f(z))|=log|φ(z)k|= kG(z). Dado agora z∈W, existe n≥1 tal que fn(z)∈V e portanto está bem definida G(fn(z))=log|φ(fk(z))|. Desta forma, podemos estender G colocando G(z):=G(fn(z))/n, e o fato de G obedecer à equação funcional em V nos garante que essa extensão está bem definida. Observe que a equação funcional segue diretamente dessa definição. Derivando a relação G(f(z))=kG(z), concluímos a afirmação sobre os pólos de G.
Note que a equação funcional implica que G(z)<0 para todo z∈W: pois fn(z)→0 e portanto G(fn(z))=knG(z)→−∞. Considere então, para todo ρ∈(−∞,0), a componente conexa Wρ⊂W do conjunto {z∈W;G(z)<logρ} que contém 0 e seja ρ0 o supremo dos números ρ tais que Wρ não contém ponto crítico diferente de 0.
Proposição: A coordenada de bottcher φ se estende a um isomorfismo analítico ¯φ:Wρ0→Deρ0, onde Deρ0 é o disco de raio eρ0 centrado na origem. Se W não contém pontos críticos a não ser a origem (i.e. rho0=0), então φ é um biholomorfismo da bacia de atração imediata de 0 ao disco unitário D.
Demonstração: De fato, existe um n suficientemente grande tal que Wρn0 esta contido no domínio de definição do mapa de Bottcher φ. Assim, queremos estender φ sucessivamente aos conjuntos encaixados Wρn0⊂Wρn−10⊂Wρn−20⊂...⊂Wρ0, e é suficiente provarmos o resultado para a primeira extensão (as outras são análogas). Observe que a restrição f:Wρn−10→Wρn0 é um mapa de recobrimento com k folhas ramificado na origem, uma vez que Wρn−10∩Cf={0}. Como z↦zk, como um mapa dos discos Dρn−10→Dρn0, é também um recobrimento com k folhas ramificado na origem, existem k mapas distintos gi,i=1,…,k, que semi-conjugam f com z↦zk, e tais mapas diferem apenas por pós-composição com k−ésima raíz da unidade. Um desses gi deve então coincidir com φ em Wρn0⊂Wρn−10, nos garantindo a extensão desejada.
Pontos fixos parabólicos
Se f tem ponto fixo em z e seu multiplicador ρ é da forma e2iπθ com θ=p/q∈Q, dizemos que z é ponto fixo racionalmente indiferente ou parabólico. Sem perda de generalidade, trabalharemos com o caso z=0. Então podemos escrever f(z)=ρz(1+bzr+O(zr+1)); o número r é chamado de multiplicidade parabólica do ponto fixo. Infelizmente, diferente dos casos atrator, super-atrator e repulsor, não temos uma forma canônica simples para f (o melhor que podemos fazer no geral é conjugar f com um mapa z↦ρz(1+bzr+cz2r−1+O(zn)) com n arbitrariamente grande). Ainda assim, podemos entender a dinâmica de f em torno de 0. Para tanto, defina os eixos atratores de f em 0 como as direções v (pensadas no espaço tangente) para as quais bvr∈(−∞,0), e os eixos repulsores como as direções para as quais bvr∈(0,∞). Note que (ao considerarmos vetores normais) temos r direções atratoras e r direções repulsoras e todas elas juntas formam um conjunto de 2r pontos de S1 igualmente espaçados; sejam então v1,v2,…,v2r essas direções em ordem cíclica, onde os índices ímpares são atratores e os índices pares, repulsores (a única escolha que temos a fazer aqui é da direção v1). Vamos primeiro entender o caso em que ρ=1 (ou seja, o denominador q é igual a 1):
Teorema (Flor de Leau-Fatou): Seja f(z)=z(1+bzr+O(zr+1)) em vizinhança de 0 e v1,…,v2r as direções atratoras e repulsoras de f em 0. Então existem abertos P1,…,P2r e mapas conformes φi:Pi→Hi, onde Hi={z∈C | Re(z)>0} se i é ímpar e Hi={z∈C | Re(z)<0} se i é par, tais que:
- 0∈∂Pi e ∪2ri=1Pi∪{0} é uma vizinhança de 0;
- Pi∩Pj≠∅ se e só se i−j=±1mod(2r);
- f(Pi)⊂Pi se i é ímpar e Pi⊂f(Pi) se i é par;
- φi conjuga a ação de f em Pi com a de z↦z+1 em Hi;
- fn(z)→0 pela direção vi se z∈Pi e i é ímpar;
- f−n(z)→0 pela direção vi se z∈Pi e i é par;
- os mapas φi são únicos a menos de composição com translação.
A demonstração segue uma ideia similar aos teoremas de Koenigs e Böttcher (encontrar sequência de semi-conjugações que converge para uma conjugação verdadeira), mas isso é aplicado apenas após uma mudança de coordenadas do tipo z↦−1/brzr, que manda 0 em ∞ (note que essa função não é uma mudança de coordenadas de fato, já que tem grau r; entendemos essa mudança de coordenadas em “setores” em torno de 0 que cobrem o plano menos uma das semi-retas R+ ou R−, dependendo se estamos no caso atrator ou repulsor). Embora a ideia seja a mesma, as contas para demonstrar convergência da sequência de semi-conjugações é muito mais fina neste caso. Os Pi com i ímpar são chamados de pétalas atratoras, enquanto que os com i par são pétalas repulsoras. Por argumentos similares aos que concluem existência de ponto crítico em bacia de atração do infinito, obtemos:
Corolário: Cada pétala atratora contém um ponto crítico.
Voltemos agora ao caso em que o multiplicador é ρ=e2πip/q para qualquer q≥1. Então o mapa fq tem 0 como ponto fixo parabólico com multiplicador 1, e vale o teorema da flor de Leau-Fatou. Como a derivada de f é ρ, ela age por rotação nas direções atratoras em torno do 0, e essa ação tem ordem exatamente q. Isso significa que as r pétalas atratoras são divididas em ciclos de q pétalas permutadas pela ação de f. Sabendo que cada pétala contém um ponto crítico de fq, podemos concluir daí que cada ciclo de q pétalas contém um ponto crítico de f. No caso em que f é um polinômio, ela tem no máximo d−1 pontos críticos no plano, e portanto tiramos que:
Corolário: r=νq, ν∈{1,…,d−1}.
No caso em que o ponto é periódico de período k e o ciclo é racionalmente indiferente, temos um conjunto de pétalas em torno de cada ponto do ciclo, que são permutadas entre si pelo mapa fk, e que são fixadas pelo mapa fqk.
Pontos fixos irracionalmente indiferentes
No caso irracionalmetne indiferente, a situação é bem mais delicada. Seja f(0)=0 e f′(0)=e2iπθ, θ∉Q. Vamos dizer que 0 é ponto fixo: diofantino se θ é diofantino, i.e. um número irracional que satisfaz |θ−pq|≥C/qν para constantes C>0 e ν≥2 e qualquer número racional p/q∈Q; linearizável ou de Siegel se existe um difeomorfismo φ de uma vizinhança V de z em um disco tal que φ∘fn∘φ−1 é da forma z↦ρz. O maior domínio V de linearização é chamado de disco de Siegel. Um resultado fundamental (e difícil) nesta ordem de ideias é o seguinte:
Teorema (Siegel-1942): Todo ponto periódico diofantino é linearizável.
Um ponto que é irracionalmente periódico que não é linerizável é dito Ponto de Cremer.
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