Nas paginas anteriores consideramos alguns exemplos onde conseguimos verificar limites superiores e inferiores para área abaixo do gráfico de algumas funções (positivas). Vamos detalhar e generalizar um pouco mais essa abordagem e introduzir a notação de integral. ====== Evolução dos símbolos ====== Dada uma função $ f: [a,b] \rightarrow \mathbb{R} $ (em geral nem precisa ser contínua) vamos seguir a ideia de estimar área abaixo do gráfico por soma das áreas de retângulos. Considere uma partição (um mesh, ou discretização em linguagem comptacional) do intervalo $ [a, b] $ por $ n+1 $ pontos $ x_0=a < x_1 < \cdots < x_n=b $ em cada intervalo $ [x_{i-1}, x_i] $ escolhemos um ponto arbitrário $ x_i^{*} \in [x_{i-1}, x_i] $ e consideramos a seguinte soma de Riemann: $ \sum_{i=1}^{n} (x_i - x_{i-1}) f(x_i^*). $ O que significa essa soma? Ela é a soma das “áreas” de retângulos com larguras $ [x_{i-1}, x_i] $ e altura $ f(x_i^*) $ . Usamos aspas, pois dependendo do sinal de $f(x_i^*) $ estaremos contando área negativa ou positiva. Essa soma pode ser considerada como uma aproximação da área (com sinal) abaixo do gráfico da função f entre a, b. (Lembre que no exemplo da parábola, para obter estimativa superior para área escolhemos $ x_i^* = x_i $ e para estimativa inferior usamos $ x_i^* = x_{i-1}. $) Claro que agora vamos fazer aproximações melhores e melhores. Isto tem certo custo, pois precisamos considerar partições cada vez mais finas, i.e diminuindo $ x_i - x_{i-1} $ aumentando $ n $. Se tivermos sorte, a medida que refinamos a partição por pontos $ x_i $ essas somas de Riemann aproximam a um certo valor (sim, existe uma semelhança com noção de limite!) e este valor é denotado por (integral definida) $ \int_{a}^{b} f(x) dx $ Por enquanto não vamos se preocupar com a existência de $ dx $ e apenas vamos considerar como um elemento decorativo. De fato poderíamos até escrever $ \int_{a}^{b} f(x) $ e “todo mundo” entenderia o que estamos calculando. Observe que o símbolo $ \int $ é uma forma evoluída do símbolo $ \Sigma $. {{:somas_de_rieman-evolucao.png?400|}} Agora vamos falar sério! Vamos ver porque tanto gostamos das funções contínuas: **Teorema:** Seja $ f: [a,b] \rightarrow \mathbb{R} $ contínua, então existe um único número $ I $ tal que para qualquer $ \epsilon > 0 $ existe $ \delta > 0 $ tal que para qualquer partição com mesh menor do que $ \delta $ para qualquer escolha de $ x_i^*$ temos $ |\sum_{i=1}^{n} (x_i -x_{i-1}) f(x_i^*) - I| \leq \epsilon $ e este número $ I $ é denotado por $ \int_{a}^{b} f$ **Exemplo 0:** Considere a função constante $ f$ tal que $f(x)=c $ no intervalo $ [a,b]. $ Vamos mostrar que $ \int_{a}^{b} f = c(b-a). $ Considerando qualquer partição, a soma de Riemann vai ser o mesmo valor! Por efeito, $ \sum_{i=1}^{n} (x_i-x_{i-1}) f(x_i^*) =  \sum_{i=1}^{n} (x_i-x_{i-1}) c $ $ = c (\sum_{i=1}^{n} (x_i-x_{i-1})) = c(b-a). $ Como mencionamos acima, se $ f$ for uma função contínua, então a integral desta função num intervalo $ [a,b]$ é bem definida e é um número real. Porém, para ter integral, nõa precisamos de continuidade. Ou seja, as vezes temos sorte e as somas de Riemann convergem a um valor fixo que será chamado de integral da função. Porém nem toda função tem integral. **Exemplo:** (Uma Função contínua por pedaços) Uma função $ f: [a,b] \rightarrow \mathbb{R} $ é contínua por pedaços, se existir $ a=c_0 < c_1 < \cdots < c_n=b $ tais que A restrição da $ f$ a cada intervalo aberto $ (c_{i-1}, c_i)$ é contínua. $ \lim_{x \rightarrow c_i^{-}} f(x) $ existe para todo $ i=1,2,\cdots n $ e $ \lim_{x \rightarrow c_i^{+}} f(x) $ existe para todo $ i=0,2, \cdots, n-1 $ Um exemplo de função contínua por pedaço é:  $ f: [0, 2] \rightarrow \mathbb{R}$ e $ f(x) = [x]. $ Claro que essa função  é contínua exceto no ponto $ x=1 $ e os limites laterais neste ponto existem como exigimos na definição das funções contínua por pedaço. Vamos verificar que $ \int_{0}^{2} [x] dx = 1. $ Considere partição $ x_0=0 <  x_1 < x_2 \cdots x_n=2 $ e $ x_i^* \in [x_{i-1}, x_i]. $ Seja $ m $ tal que $ x_m \leq 1 < x_{m+1}. $  Vamos calcular a soma de Riemann correspondente: $ \sum (x_i - x_{i-1}) f(x_i^*) $ $ \sum_{i=1}^{m} (x_i - x_{i-1}) f(x_i^*) +  (x_{m+1} - x_{m}) f(x_m^*) + \sum_{i=m+1}^{n} (x_i - x_{i-1}) f(x_i^*)$ $=  (x_{m+1} - x_{m}) f(x_m^*) + (2-x_{m+1}) $ Quando o diametro da partição converge a zero, a soma de Riemann acima converge a 1. Por efeito, $ x_{m+1}- x_m \rightarrow 0, 0 \leq f(x_m) \leq 1 $ e $ x_{m+1} \rightarrow 1. $ **Observação:** Pode se mostrar que toda função contínua por pedaço tem integral definida. Exercício: Mostre que a função $ f: [0,1] \rightarrow \mathbb{R} $ definida por $ f(x)=0, x \in \mathbb{Q}, f(x)=1, x \notin \mathbb{Q} $  não tem integral! Ok, mesmo quando a função é contínua, para calcular integral dela num intervalo não é prático sempre calcular um limite de todas as possíveis somas de Riemann! O Teorema fundamental de Cálculo será nosso aliado.  ===== Teorema fundamental de cálculo ===== Seja $ f : I \rightarrow \mathbb{R} $ ($ I  $ é um intervalo.) uma função contínua. Fixamos um ponto $ a \in I$ e definimos $ F(x) = \int_{a}^{x} f(t)dt  $ Então $ F $ é diferenciável e $ F^{'}=f. $  (veja página notação diferencial) **Corolário Fundamental:**  Seja $ f : I \rightarrow \mathbb{R} $ ($ I  $ é um intervalo.) uma função contínua. Suponhamos $ \phi $ é uma primitiva para $ f $, i.e $ \phi^{'}=f $, então $ \int_{a}^{b} f = \phi(b) - \phi(a). $ Demonstração: Considere $ g(x)=\int_{a}^{x} f(x).  $ Então, pelo teorema Fundamental $ g^{'}(x)=f(x) $, ou seja $ g $ é uma primitiva de $ f. $ Portanto (veja comentário abaixo) $ g(x) = \phi(x)+K $. Já que  $ g(a)=0,  $ então $ 0=\phi(a) + K $ e ai temos $ K = -\phi(a). $ Consequentemente, $ g(b)=\phi(b) - \phi(a) $ que implica pela definição da função $ g $: $ \int_{a}^{b} f(x) = \phi(b)-\phi(a). $ Comentário: Considerando $ f $ como corolário acima, existem infinitas primitivas para ela. Seja $ \psi = \phi + K $ onde $ K $ é um número constante, então, $ \psi^{'} = \phi^{'} = f. $ Entretanto observamos que dadas duas primitivas como $ \phi_1, \phi_2 $ então necessáriamente elas se diferem numa função constante. Por efeito, $ \phi_1^{'} - \phi_2^{'} = 0 $ e agora lembramos de cálculo 1 que se uma função tem derivada zero, então ela é constante. O comentário acima pode ser aplicada de seguinte forma: No corolário fundamental, o valor $\int_{a}^{b} f $ não depende da escolha da primitiva, pois simplesmente para outra primitiva $ \psi = \phi + K $ temos $\psi(b) - \psi(a) = \phi(b)+K - (\phi(a) + K) = \phi(b) - \phi(a)$ Existe uma versão mais forte do corolário acima (sem assumir a continuidade da função dentro de integral) que é chamado de teorema fundamental de cálculo (versão 2.0): Seja $ I$ um intervalo e $ F: I \rightarrow \mathbb{R}$ uma função diferenciável cuja derivada $ F^{'}$ é integrável no intervalo $ [a, b] \subset I. $ Então: $  \int_{a}^{b} F^{'} = F(b)-F(a).$ **Momento de felicidade:** Este corolário demonstra o poder do Teorema Fundamental de Cálculo. Percebemos que a partir de agora para calcular integral de uma função contínua num intervalo, basta acharmos uma primitiva para ela. Conseguimos (com esforço de Newton e Leibniz) "reduzir" o esforço de trabalhar com infinitas aproximações e métodos exaustivos `a achar primitiva para funções! Num certo sentido, vamos pedir o poder de álgebra: Para calcular primitiva das funções muitas vezes usamos métodos algébricos. A felicidade é incontrolável.... Até que precisemos de fato calcular primitivas e colocar mão na massa!! Integral indefinida (veja página [[alitahzibi.wordpress.com/calculo-2/primitivas-primitivos/notacao-diferencial/]] para ter aprender cuidados necessários!): Geralmente usamos a notação $ \int f $ sem determinar valores $ a, b.$ para denotar todas as primitivas da função $ f $. **Exemplos:** $ \int x^n = \frac{1}{n+1} x^{n+1} + K, n \neq -1 $ e $ \int \frac{1}{x} = ln(x) + K. $ Outras funções com primitivas "óbvias": $ \int e^x = e^x + K. $ Essa até tem uma piada envolvida: Na festa das funções, a função seno encontro função exponencial sozinha num canto e tenta dar um conselho: Você tá muito sozinha, vem se integrar.  Não vai mudar em nada, retruca função exponencial!  Bem, falando das funções trigonométricas: $ \int sen(x) = -cos(x) + K, \int cos(x) = sen(x) + K. $ $ \int sec^2(x) = \int 1+tg^2(x) = tg(x) + K$ (nas próximas páginas aprendemos alguns métodos para achar primitivas) {{:kc.jpeg?400|}} ===== Propriedades básicas de integral ===== **Teorema valor médio para integral:** Seja $ f $ uma função contínua definida em $ [a,b], $ então existe $ c \in [a,b] $ tal que $ \int_{a}^{b} f(t )dt = f(c) (b-a).$ $ f(c) $ é chamado de valor médio de $ f $ no intervalo $ [a,b]. $ Demonstração: Pelo teorema de Weierstrass existe $ m \leq M $ que sõa mínimo e máximo da função $ f$. Portanto $ m(b-a) \leq \int_{a}^{b} f(t)dt \leq M(b-a) $ e portanto $ m \leq \frac{1}{b-a} \int_{a}^{b} f(t)dt \leq M $ Agora pelo teorema valor intermediário das funções contínuas, existe $ c \in [a,b] $ tal que: $ f(c)=\frac{1}{b-a} \int_{a}^{b} f(t)dt. $ Interpretação geométrica: Seja $ f$ uma função contínua e positiva definida no intervlao $ [a,b], $ então existe $ c \in [a,b] $ tal que a área abaixo do gráfico coincide com área do retângulo de altura $ f(c) $ e base $ [a,b]. $ {{:somas_de_rieman-medio.png?400|}} **Definição:** Quando $ a>b $ definimos $ \int_{a}^{b} f(t)dt = - \int_{b}^{a} f(t)dt $ e definimos $ \int_{a}^{a} f(t) dt=0. $ Assim para quaisquer $ a, b, c \in \mathbb{R} $ temos $ \int_{a}^{b} f(t)dt= \int_{a}^{c} f(t)dt + \int_{c}^{b} f(t)dt. $ E finalmente é bom ressaltar outra propriedade de integral definida (linearidade) dados números reais $ a, b, c_1, c_2 $ temos: $ \int_{a}^{b} (c_1 f_1(t) + c_2 f_2(t)) dt = c_1 \int_{a}^{b} f_1(t) + c_c \int_{a}^{b} f_2(t)dt.  $ //Para demonstrar essa propriedade usamos aproximação da integral por somas de Riemann.//