====== Teorema do valor intermediário: ====== A Alice saiu da sua casa (antes da quarentena!) as 07:00hs para ir à biblioteca do ICMC estudar cálculo 1, (Honors calculus). Ela fez uma caminhada contínua (porém as vezes rápida e as vezes devagar e apreciando a paisagem) e chegou as 08:00hs na biblioteca e estudou o dia inteiro e adormoeceu lá na bilioteca e dormiu lá mesma (Sim! alun@s de cálculo são seri@s!). No dia seguinte as 07:00hs ela saiu da biblioteca e fez exatamente a inversa da mesma trajetória para voltar a casa. Claramente na volta, sendo cansada, teve momentos de parada, as vezes velocidade muito baixa, ..., mas ela afinal chegou em casa as 09:00 hs. Pergunta: Será que existe algum ponto no caminho entre a casa dela e a biblioteca, pelo qual a Alice passou  tanto na ida quanto na volta no mesmo horário (exato)? Vamos pensar um pouco sobre este problema! {{ :pensar.jpeg?200|}} Para responder essa pergunta, podemos usar um resultado sobre funções contínuas (existem outras formas práticas e rápidas para responder também!) Já que estamos no cálaculo, vamos falar de teorema do valor intermediário: Teorema do valor intermediário:Seja $ f: [a, b] \rightarrow \mathbb{R} $ uma função contínua em todo ponto. Sejam $ f(a)= A, f(b) = B $. Então para qualquer número real $ C $ entre $ A $ e $ B $ existe  $ c \in [a, b] $ tal que $ f(c) = C. $ Observação: A continuidade no ponto $ a, b $ deve ser entendida como $ \lim_{x \rightarrow a^+}=f(a) , \lim_{x \rightarrow b^{-} = f(b)} $. O teorema parece óbvio, né? se considerarmos o gráfico da função $ f $ como um pedaço de barbante que conecta pontos $ (a, A) $ e $ (b, B) $ parece claro que algum ponto de barbante deve ter altura $ C. $ Ok, mas lembrem que esta não é uma demonstração matemática! Em vez de demonstrar o teorema acima, vamos usá-lo e reolver problema da Alice primeiramente. Seja $ f: [7, 8] \rightarrow \mathbb{R}, g:[7, 9] \rightarrow \mathbb{R}  $ as funções que correpondem  a posição da Alice em cada instante na ida e volta. Vamos supor que a posição da casa dela seja A e da biblioteca B. e que $ A < B. $ Agora considere a função $ h: [7,8] \rightarrow \mathbb{R}, h(x):= f(x) - g(x). $ Então $ h $ é uma função contínua, por ser diferença de duas funções contínuas. Temos $ h(7) = A - B,  h(8)= B - g(8) $ É claro que $ g(8) \leq B $ e portanto $ h(7) <  0 \leq h(8). $ Portanto pelo teorema do valor intermediário existe $ c \in [7,8] $ tal que $ h(c) = 0 $ portanto $f(c)=g(c).  $ Poderiamos responder a pergunta d aAlice de seguinte forma simples também: Considere Alice no dia da ida e da volta ao mesmo tempo. Ou se quiser substitua o problema ao seguinte problema equivalente: Alice está indo para biblioteca as 07:00hs e o Bernardo também exatamente as 07:00hs vem para casa da Alice desde bibliteca. Eles vão se encontrar no caminho? Claro que sim!!!!! ************************************************ Ok, vamos para um outro problema: Será que a equação $ sen(x) - x^2 + x+3=0 $ tem raízes entre $ [-\pi, \pi]? $ Vamos verificar que essa equação tem pelo menos 2 raízes no intervalo $ [-\pi, \pi]. $ Primeiramente observe que $ f(x)= sen(x) - x^2 + x+3 $ é uma função contínua de $ x $, por ser soma de funções contínuas. Verificamos que $ f(-\pi) = - \pi^2 - \pi + 3 < 0 $ e $ f(\pi) = - \pi^2 + \pi + 3 < 0 $ e $ f(0)= 3 > 0 $. Portanto a equação tem pelo menos uma raíz no intervalo $ [- \pi, 0] $  e outra no intervalo $ [0, \pi ]. $ **************************************** Outro exemplo legal: Considere a equação $$x^5-2x^3 + 8x^2 -8=0.$$ Como achar raízes desta equação? Difícil, né? O teorema de valor intermediário tem um corolário potente: Todo polinômio de grau ímpar tem pelo menos uma raiz real! A demonstração é simples: Considere $P(x) = a_0 + a_1 x + \cdots + a_n x^{n}$ onde $n$ é ímpar. Vamos supor que $a_n < 0$, então $\lim_{n \rightarrow +\infty} P(x) = - \infty$ podemos ver também que $\lim_{n \rightarrow -\infty} P(x) = + \infty$. Pela definição de limite no infinito, podemos concluir que existe $x$ tal que $P(x) < 0$. De fato Pela definição, para todo $M < 0$ existe $L$ tal que para todo $x > L$ temos $P(x) < M$ e portanto $P(x) < 0.$ De uma forma similar temos (muitos! mas para nossa demonstração basta um) $y$ tal que $P(y) > 0.$ Agora usando teorema de valor intermediário existe $z$ entre $x$ e $y$ tal que $P(z)=0.$ Achamos uma raiz! O Caro $a_n > 0$ podemos argumentar de forma similar ou simplesmente considerar o polinômio $- P(x).$ No exemplo do polinômio acima, o grau é 5 e portanto com certeza temos uma raiz. Entretanto dá para analisar mais detalhadamente: * Verifiquem que $P(-2) > 0 > P(-3)$ e portanto existe uma raiz entre $-3, -2$. * Verifiquem que $P(-1) > 0 > P(0)$ e portanto temos uma outra raiz entre $-1, 0$. * $P(1) < 0 < P(2)$ e portanto temos mais uma raiz entre $1$ e $2.$ **************************************** Sobre continuidade de inversa de uma função Vamos formalizar algumas notações: Um intervalo é um conjunto como $ (a, b), [a, b), (a, b] $ ou $ [a, b]. $ Em todos os casos, um ponto $ x $ é dito ponto do interior quando existe $ \epsilon > 0 $ tal que $ a < x-\epsilon < x+ \epsilon < b $. Ou seja todos os pontos do intervalo exceto os extremos que são $ a, b. $ Lembrem que em todos os intervalos supracitados os pontos de acumulação são os mesmos $ [a, b]. $ Seja $ f: S \rightarrow \mathbb{R} $ uma função injetiva e $ T = \{f(x) : x \in S\} $. Para qualquer $ y \in T $ existe um e somente um elemento $   x \in S $ tal que $ f(x) = y. $ Assim definimos a função inversa $ f^{-1} : T \rightarrow \mathbb{R},  f^{-1}(y) =x. $ Logo podemos concluir: Para todo $ x \in S,  f^{-1}(f(x)) = x,  $ Para todo $ y \in T, f(f^{-1}(y)) = y. $ Teorema: Seja $ I $ um intervalo e $ f : I \rightarrow \mathbb{R} $ uma função injetiva e contínua. então $ f^{-1} $ também é contínua. Para provar este teorema vamos começar com uma proposição. A função $ f $ é estritamente crescente se para todo $ s, t \in I , s < t $  então $ f(s) < f(t). $ Claramente a função é estritamente decrescente se para todo $ s, t \in I, s < t \Rightarrow f(s) > f(t). $ Proposição: Seja $ I = [a, b] $ um intervalo e $ f : I \rightarrow \mathbb{R} $ uma função injetiva e contínua. Então $ f $ é uma função estritamente crescente ou estritamente decrescente. Podemos provar essa proposição usando teorema do valor intermediário (Bom Exercício, veja [[https://drive.google.com/file/d/1VMIjtKgWcqtNm5C_yoZSE0gZpMvNT39v/view?usp=sharing|este video]]). Vamos provar o teorema: Suponhamos pela proposição anterior que $ f $ é estritamente crescente. Observe que $ T: = f(I) $ também é um intervalo. Isto é, se $   y_1 < y_2 $ são dois pontos de $ T $ e $ y_1 < y < y_2  $ então $ y \in T. $ Pois, existem $ x_1 < x_2  $ tais que $ f(x_1)=y_1, f(x_2)= y_2. $ Agora pelo valor intermediário temos $ x \in [x_1, x_2]  $ tal que $ f(x) =y.  $ Agora para provar continuidade de $ f^{-1} $ num ponto $ y \in T $ vamos mostrar que para qualquer sequência $ y_n \in T, y_n \rightarrow y $ temos $ f^{-1}(y_n) \rightarrow f^{-1}(y).  $ Primeiro vamos assumir que $ y $ é um ponto no interior do intervalo $   T $ e $ f(x)=y.  $ Afirmamos que $   x $ também é um ponto no interior de $I.$ Já que $ y $ é um ponto no interior, então existe $ \delta > 0 $ tal que $ [y - \delta, y+\delta] $ está totalmente dentro do $ T  $. Então existem $ x_1, x_2 \in I  $ tais que $ f(x_1) = y - \delta, f(x_2)=y + \delta.  $ Já que $ f $ é estritamente crescente, concluímos que $ x_1 < x < x_2 $ e portanto todo o intervalo $ [x_1, x_2] $  fica dentro de $ I $ e consequentemente $   x $ é um ponto no interior do $ I. $ Agora vamos provar que $ f^{-1}(y_n) \rightarrow f^{-1}(y).  $ Sejam $ x_n= f^{-1}(y_n)  $. Considere dois pontos $ x - \epsilon, x+\epsilon, \epsilon > 0   $ e precisamos mostrar que a existe $ N \in \mathbb{N} $ tal que Se $ n \geq N $ então $ x_n \in ( x - \epsilon, x+\epsilon ) $. Denotamos por $ y_{b} = f(x-\epsilon), y_{t} = f(x+\epsilon)  $ Pela convergência da sequência $ y_n $ existe $ N $ tal que se  $ n > N $ então $ y_n \in [y_b, y_t]  $. Consequentemente $ x_n \in [x-\epsilon, x+\epsilon] $. Caso em que $ y $ é um ponto extremo do intervalo $ T $ (se ocorrer) podemos argumentar similarmente, apenas com intervalos com um lado fechado. ********************************************************* Alguns exemplos de inversa de funções Inversa de funções trigonométricas: A funções $ sen, cos, tg, cotg, sec, cosec $ são períodicas e portanto não são injetívas. Porém podemos restringir domínio destas funções onde a função é injetiva. Por exemplo $ sen : [\frac{-\pi}{2}, \frac{\pi}{2} ] \rightarrow  [-1, 1] $ é uma função injetiva e sobrejetiva. Portanto podemos definir $ sen^{-1} : [-1, 1] \rightarrow [\frac{-\pi}{2}, \frac{\pi}{2} ]   $ que é uma função contínua também. Na literatura essa função é denotada  por $ Arcsen $. De forma similar podemos definir $ Arccos : [-1,1] \rightarrow [0, \pi] $ $ Arctg: \mathbb{R} \rightarrow (-\frac{\pi}{2}, \frac{\pi}{2}) $ $ Arccotg: \mathbb{R} \rightarrow (0, \pi) $ Exercício: Defina inversa da função $ sec $, lembrando que $ sec(x) = \frac{1}{cos(x)} $