======== Teorema do valor intermediário ======== {{ youtube>AtP4iLzvGj0?small}} O próximo resultado é uma propriedade particular dos números reais. Na verdade, dependendo do contexto em que estivermos, o enunciado de tal teorema faz parte da **definição** do conjunto dos reais. **Teorema (dos intervalos encaixantes)** Considere $(I_n)_{n \in \mathbb N}$ uma família de intervalos da forma $I_n = [a_n, b_n]$ tal que, para qualquer $n \in \mathbb N$, $[a_{n + 1}, b_{n + 1}] \subset [a_n, b_n]$ (isto é, $a_n \leq a_{n + 1} \leq b_{n + 1} \leq b_n$). Então existe $x \in \bigcap_{n \in \mathbb N} I_n$. **Exemplo** Para cada $n \in \mathbb N$, considere $I_n = [0, \frac{1}{n}]$. Note que $\bigcap_{n \in \mathbb N} I_n = \{0\}$. **Exemplo** É importante que os intervalos sejam fechados e limitados - caso contrário, a intersecção poderia ser vazia: * $\bigcap_{n \in \mathbb N} ]0, \frac{1}{n}[ = \emptyset$; * $\bigcap_{n \in \mathbb N} [n, +\infty[ = \emptyset$. No teorema anterior, se pedirmos que $\lim\limits_{n \to \infty} |b_n - a_n| = 0$, então não só existe um $x$ na intersecção, como ele é único. ** Teorema ** Seja $f: I \to \mathbb R$ uma função contínua, onde $I$ é um intervalo. Se existem $a, b \in I$ tais que $f(a) < 0 < f(b)$, então existe $c \in I$ tal que $f(c) = 0$. **Dem.:** Vamos supor que $a < b$ (o outro caso é análogo). Vamos definir uma família de intervalos $(I_n)_{n \in \mathbb N}$ como no Teorema dos intervalos encaixantes acima. Defina $a_0 = a$ e $b_0 = b$. Seja $c_0 = \frac{a_0 + b_0}{2}$. Se $f(c_0) = 0$, terminamos (basta tomar $c = c_0$). Caso contrário, temos dois casos. Se $f(c_0) < 0$, definimos $a_1 = c_0$ e $b_1 = b_0$. Se $f(c_0) > 0$, definimos $a_1 = a_0$ e $b_1 = c_0$. Note que, em ambos os casos, $f(a_1) < 0 < f(b_1)$ e que $I_0 \supset I_1$. Defina $c_1 = \frac{a_1 + b_1}{2}$. Procedemos como antes. Se $f(c_1) = 0$, terminamos (basta tomar $c = c_1$). Caso contrário, temos dois casos. Se $f(c_1) < 0$, definimos $a_2 = c_1$ e $b_2 = b_1$. Se $f(c_1) > 0$, definimos $a_2 = a_1$ e $b_2 = c_1$. Note que, em ambos os casos, $f(a_2) < 0 < f(b_2)$ e que $I_1 \supset I_2$. Continuamos assim até definirmos $I_n$ para todo $n \in \mathbb N$. Pelo Teorema dos intervalos encaixantes, temos que existe $c \in \bigcap_{n \in \mathbb N} I_n$. Vamos mostrar que $f(c) = 0$. Suponha que não. Então, pelo [[limites:preservacaoSinal| Teorema da preservação de sinal]], existe $\delta > 0$ tal que, para todo $x \in ]c - \delta, c + \delta[$, temos que $f(x)$ e $f(c)$ tem o mesmo sinal. Note que, pela nossa construção, existe algum $a_n, b_n \in ]c - \delta, c + \delta[$. Mas $f(a_n) < 0 < f(b_n)$. Logo, um deles não tem o mesmo sinal que $f(c)$, contradição.$\square$ **Corolário (Teorema do valor intermediário) ** Seja $f:[a, b] \to \mathbb R$. Se $y$ é tal que $y$ está entre $f(a)$ e $f(b)$ (não importando se $f(a) \leq f(b)$ ou não), então existe $x \in [a, b]$ tal que $f(x) = y$. **Dem.:** Se $f(a) = f(b)$, é imediato. Vamos supor que $f(a) < f(b)$ (o outro caso é análogo). Seja $y \in ]f(a), f(b)[$. Considere $g: [a, b] \to \mathbb R$ dada por $g(x) = f(x) - y$. Note que $g(b) = f(b) - y > 0$ e que $g(a) = f(a) - y < 0$. Assim, podemos aplicar o teorema anterior. Seja $x \in [a, b]$ tal que $g(x) = 0$. Note que, se $g(x) = 0$, então $f(x) = y$. Logo, este é o $x$ procurado. $\square$ **Exemplo** $f(x) = x^{5} - x^2 + 1$ tem raiz? Note que $f(2) = 32 - 4 + 1 > 0$. Por outro lado, $f(-1) = -1 - 1 + 1 < 0$. Assim, o teorema acima não só diz que $f$ admite uma raiz, como ainda afirma que existe uma entre $-1$ e $2$. Poderíamos até tentar melhorar. Calculando $f(0) = 1 > 0$. Assim, podemos afirmar que existe uma raiz entre $-1$ e $0$. Poderíamos melhorar ainda mais e calcular $f(-\frac{1}{2})$ etc. **~~#~~** Seja $I$ um intervalo e seja $f: I \to \mathbb R$ uma função contínua. Mostre que a imagem de $f$ é um intervalo.